Questão ocupa o centro da campanha eleitoral para as eleições de domingo no país que vive um bloqueio político
São Paulo — Depois de participar de vários protestos em Girona, um reduto separatista catalão, Carla Costa propõe continuar atacando a Espanha “de todas as frentes”, enviando também os membros mais radicais do movimento como cavalos de Troia ao Congresso de Madri.
“Temos que atacar em todas as frentes. Ser capazes de entrar no coração da fera e destruí-la de lá também é importante”, diz essa estudante de 22 anos, concentrada em solidariedade às pessoas detidas pelas mobilizações das últimas semanas.
A jovem, de cabelos raspados nas laterais e vários “piercings”, protesta por um amigo seu, atualmente preso. Na praça em que está podem ser ouvidos os gritos de “liberdade” das dezenas de pessoas reunidas.
Os prédios vizinhos estão cheios de bandeiras e slogans separatistas que inundam esta fortaleza nacionalista ao norte da região.
De uma das pontes que cruza o rio Onyar, três bonecos foram pendurados, como se fossem enforcados, com as palavras “democracia”, “liberdade” e “direito à manifestação”.
Conhecida por suas ruas medievais e sua catedral gótica, cenário da série Game of Thrones, nessa cidade começou a carreira política de Carles Puigdemont, que era presidente regional durante a tentativa de secessão de 2017 e atualmente está foragido na Bélgica.
Assim como Barcelona e outras cidades catalãs, Girona foi palco de protestos pacíficos e de confrontos após a decisão da Suprema Corte em 14 de outubro, condenando nove líderes separatistas entre nove e treze anos de prisão por essa tentativa fracassada.
“Curto-circuito” na Espanha
Essa questão ocupa o centro da campanha eleitoral para as eleições de domingo no país que vive um bloqueio político. Em abril, o chefe de governo Pedro Sánchez (PSOE) venceu, mas não conseguiu ter apoio suficiente no Congresso.
Nesse contexto, a anticapitalista Candidatura de Unidade Popular (CUP), formação independentista mais radical, concorre pela primeira vez.
Seu desejo é “bloquear” mais a política espanhola, embora as pesquisas prevejam poucos assentos.
“Nosso lema é ingovernáveis. O que queremos dizer? Que até que não sejamos livres, seremos ingovernáveis”, resume Non Casadevall, candidato da CUP pela província de Girona.
“Vamos a Madri com a intenção de provocar um curto-circuito nesse sistema que não funciona (…) O que queremos é dinamitá-lo por dentro”, explica esse professor após um encontro na cidade.
Seu peso eleitoral é escasso, mas nos últimos anos a CUP conseguiu levar suas posições para o restante dos partidosseparatistas que, segundo as pesquisas, podem ter um papel chave na governabilidade.
Partidária de “gerar instabilidade” na rua e nas instituições, Carla Costa votará neles. “Tem que criar o caos”, insiste.
Sua postura encaixa na estratégia de “mobilização constante” dos separatistas para “desgastar o Estado”, como reconheceu a presidente da influente associação ANC, Elisenda Paluzie.
Um ex-ministro foragido na Bélgica com Puigdemont, Toni Comín, pediu “desgaste econômico” da Espanha para forçar a negociação, embora repercuta no emprego e no nível de vida na Catalunha.
Sem diálogo
Pouco resta da distensão que surgiu com a chegada de Pedro Sánchez em junho de 2018.
Os distúrbios, com um balanço de mais de 600 feridos, levaram a um endurecimento do discurso do líder espanhol, coincidindo com um revés do PSOE nas pesquisas.
E os separatistas, que apoiaram a moção de censura do socialista contra o conservador Mariano Rajoy, agora descartam ajudá-lo.
“Você não poderá contar com o nosso apoio”, disse Puigdemont em referência a Sanchez.
Até a esquerda republicana moderada da Catalunha (ERC), que seria a mais votada no movimento, argumenta que “com este Sánchez não se pode falar” enquanto meses atrás queria facilitar sua posse.
“Há muito sentimento, muito ressentimento, isso levará tempo para passar”, diz José Muñoz, um eleitor do PSOE que chegou a flertar com a independência.
Ele participa de um ato de Pedro Sánchez em Viladecans, sul de Barcelona, onde algumas centenas de separatistas provocam os participantes, chamando-os de “fascistas”.
“Antes da independência parecia atraente para mim, agora é exclusiva. Sinto que, se não penso assim, não sou catalã”, lamenta.