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sábado, 23/11/24
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“Vitória kirchnerista poria em risco acordo com UE”, diz professor da FGV

Professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, Oliver Stuenke acredita que kirchneristas podem pressionar por cancelamento do acordo

Cristina Kirchner e Alberto Fernández: chapa é favorita para as eleições argentinas, em outubro (Marcos Brindicci/Reuters)

A troca de farpas entre o presidente Jair Bolsonaro e o kirchnerista Alberto Fernández representa o risco de uma relação bilateral ruim entre Brasil e Argentina e uma redução da relevância econômica brasileira no país vizinho. A opinião é do professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas Oliver Stuenkel.

Qual avaliação podemos fazer dessa rusga entre o presidente Bolsonaro e Fernández?

Primeiro, é preciso dizer que o resultado na Argentina tem um impacto importante sobre a dinâmica regional. Dentro desse novo contexto, de uma vitória do Fernández, a janela que a gente tinha para um alinhamento em temas grandes na região vai fechar.

Por parte do presidente, ele sabe que vai ser (mais) difícil cooperar com o governo Fernández que o atual. Mas o que acontece agora tem um fundo eleitoral. Fernández está em campanha e para ele é bom ser mencionado pelo Bolsonaro. Ele tem usado isso e sabe que pessoas moderadas, divididas entre ele e Macri, ficam horrorizadas pelo que Bolsonaro diz.

Mas o que muda em termos práticos caso ele seja eleito?

Não é inteligente atacar o candidato que provavelmente vai ganhar. Na diplomacia, a gente precisa se adequar à política interna de outros países e trabalhar com quem ganha a eleição.

Isso vai sobrar, como sempre, para o (vice-presidente Hamilton) Mourão, que já tem dito que haverá uma boa relação. Mas, obviamente, é um gostinho daquilo que pode haver no futuro: o risco real de uma relação bilateral péssima.

O que seria mais afetado?

A primeira área em risco é o acordo de livre-comércio com a UE. O pessoal do Fernández defende uma revisão, mas acham complicado pois haverá pressão dos kirchneristas mais radicais. Acho que isso aumenta o risco de não ratificação. Em segundo, tem a crise na Venezuela. A Argentina do Fernández não vai se alinhar à Venezuela, mas adotará uma posição mais cautelosa.

Seria uma posição mais próxima à da UE e do Uruguai?

Sim. Basicamente a posição uruguaia. E a terceira a relação bilateral em si. Que melhorou nos últimos meses, principalmente no combate ao crime organizado. Mas uma cooperação mais ágil e moderna deve acabar. A China, aos poucos, está superando a presença econômica brasileira na Argentina. Claramente há um risco. O confronto que o Bolsonaro promove pode ter impacto na influência brasileira na Argentina.

Seria raro na relação bilateral dois presidentes tão distantes ideologicamente?

Sempre foi algo funcional, mas nunca foi muito harmônico. O Néstor (Kirchner), por exemplo, se elegeu com ajuda do (ex-presidente) Lula, mas tem um episódio maravilhoso em que o Lula organiza uma reunião com todos os presidentes e o Néstor se atrasa para não aparecer na foto, pois não quer dar essa vitória simbólica ao Lula.

Mas o tipo de retórica que temos agora é sem precedentes desde os anos 80 e é um péssimo sinal. A partir do momento em que a relação bilateral entre Brasil e Argentina não funcionam, você não tem nenhum progresso em projetos regionais.

E o que esse avanço da esquerda representa regionalmente, em termos políticos-ideológicos?

A gente teve a onda rosa (no começo do século 21). Foi uma época que aumentou a visibilidade da região, graças ao cenário externo muito favorável. A partir da eleição do Macri, muita gente apostou numa onda de centro-direita. E pela situação no Uruguai e na Bolívia, a transição venezuelana que não chega, a contracorrente não tem sido tão forte e tão duradoura. Essa ideia articulada no Prosur, de uma década da centro-direita, isso não está ocorrendo.

Temos uma mistura. Tudo vai depender da posição da esquerda que voltar ao poder. Se vai ser uma esquerda mais “uruguaia”. Com uma postura mais radical, a Argentina terá dificuldades de lidar com o Brasil, com o (Sebastián) Piñera, com o (Mario) Abdo e até com o (Donald) Trump.

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